8 de mar. de 2011

Quaresma

Foto: Ir. Renata
Quaresma: Silêncio!
Ao nos aproximarmos do Tempo Quaresmal, a nossa mente, o nosso coração, o nosso ser inteiro, vai naturalmente sendo inundado pelo suave silêncio que este Tempo nos propõe. O período da Quaresma é oportuno para nos recordarmos de nossas misérias e mazelas e, as colocarmos no madeiro da cruz para serem redimidas por Cristo, naquele momento sublime que foi caminho para a nossa Salvação. É grande este Mistério! Não há palavras que o possam explicar completamente, nem inteligência humana com capacidade de compreendê-lo totalmente. Resta-nos o silêncio diante do Mistério. Silêncio que conduz a contemplação ou que dela dimana. Acompanhemos Jesus durante estes quarenta dias, sejamos seus companheiros e suas companheiras, nos diversos acontecimentos que o levarão a cruz. Contemplemos silenciosamente o nosso Senhor no sofrimento, na dor, nas angústias próprias da cruz. E no dia glorioso da sua Ressurreição que o nosso silêncio se rompa no exultante “Aleluia!” da vitória da Vida sobre a morte.
Irmã Marilene
 
Por Ir. Renata
O primado do espírito é a plenitude do humano em nós
Começamos o período da Quaresma com a quarta-feira de cinzas. As cinzas nos lembram de que somos pó e que tudo neste mundo é passageiro. Mas há algo em nós que não morre, que permanece mesmo quando tudo vira cinzas em nossa história. E é esse algo mais que nos torna verdadeiramente humanos e dá sentido a tudo aquilo que conquistamos e construímos em nossa vida: nossa alma, o divino em nós. A Quaresma nos lembra o primado do espírito, que ilumina e dignifica tudo o que faz parte da vida humana. Quanto mais nos aproximamos de Deus, mais nos aproximamos do verdadeiro valor daquilo que, sendo passageiro, se eterniza justamente no amor com que é vivido dia a dia. Deus, em seu imenso amor, nos tornou eternos e, através de nós, eterniza e dignifica tudo o que é humano. A penitência que somos chamados a viver de uma maneira mais intensa (esmola, jejum, obras de caridade...), nos leva a ter em nossas mãos as rédeas de nossa vontade, a fim de que todo o nosso ser caminhe sempre nos caminhos de Deus, como Jesus que, superando todo o medo e angústia, caminha para Jerusalém, para o sofrimento e a morte que o espera em sua paixão, a fim de cumprir a vontade do Pai. Não somos escravos de nossos instintos, pois o Espírito do Senhor move o nosso espírito e nos plenifica! Durante quarentas dias caminhamos com Jesus rumo a Jerusalém, caminhada esta que simboliza a nossa caminhada pela vida. Também nós passamos pela dor e o sofrimento, mas assim como foi para Jesus, a morte em nossa vida não tem a última palavra. A Quaresma termina com o aleluia da ressurreição e o Cristo do Calvário é o Cristo que no domingo da Ressurreição sai glorioso do sepulcro. E se nos unirmos com Ele, também nossas dores se tornam salvação e vida. Que esta Quaresma que se inicia seja um momento de copiosas graças para todos. E tenham certeza, como nos diz Santa Clara: “Se com Ele sofreres, com Ele reinarás; se com Ele chorares, com Ele exultarás; se com Ele morreres na cruz da tribulação, com Ele habitarás na glória dos santos, na mansão celeste, e teu nome será gravado no livro de vida e para sempre glorificado entre os homens. Em vez das honras terrenas e transitórias terás para todo o sempre a glória do Reino celeste, participarás dos bens eternos em troca de bens perecíveis e viverás uma felicidade sem fim”.
Irmã Maria Renata
 
Foto: Ir.Renata
Confiança nas Provações
Quaresma é tempo de aprofundar nossa confiança em Deus nas provações e deixar-nos purificar, através das provas da vida, de todos os nossos desvios no caminho da virtude e da perseverança no seguimento de Jesus. Toda provação é uma experiência pessoal, irredutível e intransferível. É também uma oportunidade terapêutica. Ela pode nos ensinar como sair de todas essas falsas identificações às quais nos agarramos, mas que nos impedem de crescer, tocar e atingir nossa realidade, nua, sem ilusões... Como dizem os místicos: quem experimenta sabe! “Que ninguém, quando for tentado diga: ‘Minha tentação vem de Deus’. Pois Deus não pode ser tentado a fazer o mal e a ninguém tenta (Tg 1,13). Se Deus se opõe a nós é para que cresçamos e avancemos para um coroamento. Certa ocasião, o Cardeal Newman meditava sobre os textos bíblicos em que as provações são apresentadas como a purificação da prata pelo fogo, numa fundição. Quantos já tiveram a ocasião de estar numa fundição e de ver o real trabalho do fundidor acrisolando os metais? Para compreender esse processo o Cardeal Newman decidiu ir até uma fundição de prata e ver um fundidor em ação. Diante desta obra de purificação pelo fogo, o cardeal perguntou ao profissional: “Quando você sabe que a prata está pronta, pura, purificada das escórias grosseiras?”O profissional respondeu: Eu sei que a prata está madura quando, me debruçando sobre ela, posso ver refletidos os traços de meu próprio rosto”. Quando somos “provados pelo fogo”, quando tremem nossos joelhos, é bom lembrar que o Pai está debruçando o seu rosto sobre nós, a fim de que nos tornemos capazes de refletir seus traços, como filhos e filhas. Na hora da dor, Deus se debruçou sutilmente sobre nós. Quem levanta os olhos interiores pode ver sua presença. É preciso crer para ver. A vontade de Deus, seu desejo prazeroso, é que sejamos felizes, em paz e espírito e coração. Deus não quer, nem deseja, que soframos os golpes aleatórios ou não desta vida. Mas Ele permite que eles aconteçam, porque se agisse de outro modo bloquearia nossa natureza e condição humana. Os acidentes, as enfermidades, as desgraças, acontecem, mas Deus não está fazendo isso contra nós ou por nós. Somos seres humanos plenos e finitos, vivendo sobre uma terra onde ocorrem desastres naturais, onde existem predisposições genéticas, onde às vezes fazemos escolhas erradas ou pecaminosas, onde a vida nem sempre é como planejamos ou esperávamos que fosse. Somos abençoadas e oneradas por nossa condição humana, com o mistério de nos desenvolver até nossa totalidade de pessoa, que envolve perdas contínuas. Somos frágeis e inacabadas, sempre sujeitas à possibilidade do sofrimento. Vivemos num mundo em que sabemos não ser possível escapar à mortalidade, a nosso último adeus antes do alo eterno. Quem enfrenta as provas, todas as provações libertadoras, se levanta solitária e simplificada, duas palavras que traduzem um única: monachos: monja, celibatária, solitária, aquela que tende ao Uno, à unificação de todas as suas próprias capacidades: corpo, psique e espírito. E o nosso caminho para Deus é trilhado sempre na solidão interior mais profunda e vasta; é um caminho único, intransferível.
Irmã Sandra Maria
 
Foto: Ir. Renata
Confiança na Noite Escura e na Tempestade
Mt 8, 23-27: “Então Jesus entrou no barco, e seus discípulos o seguiram. Nisso, veio uma grande tempestade sobre o mar, a ponto de o barco ser coberto pelas ondas. Jesus, porém, dormia. Eles foram acordá-lo. “Senhor”, diziam, “salva-nos, estamos perecendo!”Respondeu ele: “Por que tanto medo, homens de pouca fé?”Então, levantando-se, repreendeu os ventos e o mar, e fez-se uma grande calmaria. As pessoas ficaram admiradas e diziam: “Quem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?”
Atrás de nossos olhos está nosso inconsciente. O mar é símbolo da situação humana em geral. Imagem do abismo, da situação sem fundo, da falta de apoio... de uma existência situada sobre um solo inseguro. Esse mar infinito pode nos engolir e pode também nos transportar. Ele é o nosso coração, nosso inconsciente, nosso impenetrável, nosso sem fronteiras. Para vê-lo é necessário fechar os olhos. Marcos convida a não nos contentar com nos voltar para Deus na hora da angústia, implorando que nos salve. Ele sugere adotar a atitude de Jesus: dormir. A tempestade em nosso coração traduz medo nós mesmos. Devo saber: não tenho nada a temer, nem do exterior, nem das forças profundas que agem sobre mim. Nosso único problema é reencontrar a paz, como Jesus dormindo no barco. Ser capaz de encontrar a paz interior no meio do furacão, eis o que importa na vida! Quem encontra o divino ancora seu barco na profundidade interior, na terra firme, bem abaixo das fúrias do mar, mais profundamente que o mais fundo dos abismos, bem abaixo da zona da angústia psíquica. O Evangelho diz e rediz: não há nada a “fazer”. Os místicos sempre afirmaram: quem passa todo o seu tempo em fazer o bem não encontra tempo para ser bom. Precisamos de recuo, de contemplação, de “sábado”, de repouso. A angústia nos assalta, quando nos encontramos em face de nossas profundezas. O conselho do terapeuta, do psicólogo, junta-se à atitude de Jesus: dormir, fechar os olhos e “esquecer” a angústia, para buscar na profundeza do eu interior, na linguagem e nas imagens do sono, uma fortaleza, uma firmeza renovada. Nessas situações, o melhor é não fazer nada. No sentido da ação, pouco pode ser feito. Dormir, fechar os olhos para o mundo da manifestação e da consciência, buscar o invisível, o transcendente, e encontrar a resposta na voz profunda do ser. A fé é suscetível de nos fazer entrever, perceber, até em nossos sonhos, que se pode viver de uma forma diferente o real. Nisso, poetas e místicos aplicam-se de forma quase profissional: mostrar que existe uma Realidade, muito mais concreta e complexa, do que o que, em nosso cotidiano, chamamos de realidade. Entramos em contato com esta realidade pela música, pela arte, pelo sonho, pelo sono, pela mística, pelo rito religioso. Ela está bem além de nossos sentidos. É nossa falta de fé, nosso medo quem amplifica o ruído do mar e a força das ondas. A única força capaz de parar esse vento é a nossa confiança. Existem formas de salvação que não podem tomar um aspecto visível, mas assumem o sinal da eternidade. É preciso deixar o coração no repouso de Deus. A arte essencial, o verdadeiro milagre de nossa vida, é o de nunca perder essa paz essencial, essa tranquilidade no meio da tormenta, na noite escura de tempestade, qualquer que seja. Os perigos mais ameaçadores podem sumir tão rapidamente quanto surgiram. Nossa “intervenção” serve para pouco. Não se trata de fazer, mas de ser feita, de deixar-se fazer; de deixar-se amar e cuidar. Não se trata de ter fé, mas de “possuir” a fé. Deus não abandona.
Irmã Sandra Maria

De Quaresma-2011

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